O legado de Francisco 6o6a5a

Na segunda-feira da Oitava da Páscoa (21/04), o Papa Francisco fez a sua páscoa. No domingo, na sua última aparição pública, da sacada da Basílica de São Pedro, desejou feliz Páscoa a milhares de pessoas reunidas na Praça do Vaticano. Um momento singular. Eram as suas últimas palavras de pastor ao povo que tanto amava e por quem era amado. Foram 12 anos intensos dedicados à condução da Igreja. 63h5l

Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa latino-americano, ao homenagear o “Pobrezinho de Assis”, não escolheu apenas um nome, mas incorporou a inspiração de São Francisco, assumindo uma vida simples e se tornando um peregrino da alegria, da paz e da misericórdia. Com coragem profética, conclamou a Igreja a olhar para além de seus muros, em movimento de saída, para ser uma Igreja verdadeiramente missionária, que vá às periferias geográficas e existenciais do mundo. Como o santo de Assis, Francisco também fez revolução, deixando um legado incontestável.

Para falar sobre o significado deste momento de transição e expectativa que estamos vivendo após a morte do Papa Francisco, conversamos com o Pe. Tiago Cosmo, doutor em Teologia, com ênfase em pastoral, pela PUC-SP. Ele é professor na Faculdade Dehoniana em Taubaté e pertence ao clero da Diocese de São Miguel Paulista.

O LÁBARO: A Igreja Católica vive um momento de tristeza com a morte do Papa Francisco e ao mesmo tempo um momento de expectativa sobre quem será o novo pontífice. Como o senhor analisa esse cenário?

Pe. Tiago: Talvez o maior impacto tenha ocorrido pelo fato de que, no dia anterior ao da sua morte, o Papa Francisco ter aparecido e desejado a todos uma Feliz Páscoa – e ter falecido, justamente, durante a oitava da Páscoa. O dia foi significativo. Enquanto celebrávamos a ressurreição, ele fez a dele! Além do mais, Bergoglio iniciou uma era eclesial. Quando ele chegou ao pontificado, em 2013, a Igreja estava muito manchada com denúncias de pedofilia e corrupção; e, de repente, ele, com seu jeito latino-americano de ser e extremamente humano, colaborou eficazmente para que essa imagem se transformasse. Pensando no futuro papa, certamente o que preocupa a todos é se esse legado continuará.

O LÁBARO: O pontificado do Papa Francisco foi marcado por mudanças significativas, mas também por muitas oposições de grupos de dentro da própria Igreja. Que avaliação o senhor faz desses 12 anos de pontificado? Qual é o legado de Francisco?

Pe. Tiago: Sempre houve oposição na Igreja. Durante o pontificado de Francisco, essa realidade ficou mais latente com o avanço das mídias sociais, nas quais todos podem expor abertamente suas opiniões e, inclusive, até ganhar dinheiro com isso. De repente começaram a surgir nomes de muitos que, sem formação teológica adequada, inclusive, julgavam o Papa e a Igreja como se estivessem se desviando de sua verdadeira missão. Francisco, porém, foi um papa atento a uma categoria que, pastoralmente, chamamos de “sinais dos tempos”: ele não se ocupava apenas com as questões ao interno da Igreja, mas também com as necessidades do mundo, sobre as quais sempre tinha algo a dizer, como a fraternidade, a ecologia e a paz. Esse é o legado que fica: a Igreja está no mundo e vive nele; logo, deve ocupar-se dele igualmente.

O LÁBARO: Na sua percepção, de que modo a Igreja no Brasil refletiu o jeito de ser do Papa Francisco? Em que medida suas propostas foram assimiladas e acolhidas?

Pe. Tiago: É difícil apontar uma dimensão, porque Francisco, na prática, procurou mais abrir processos e fazer-nos pensar do que propriamente fazer mudanças “à canetada”. Então o tempo revelará o quanto esses processos foram efetivamente assumidos, a depender, sem dúvidas, também do próximo pontífice, se levará todo esse movimento adiante.

O LÁBARO: Ecologia, combate às desigualdades sócio-econômicas e promoção da dignidade das minorias foram alguns dos grandes temas que receberam especial atenção do Papa Francisco. Em meio à complexidade do mundo atual, de que modo a Igreja Católica poderá ser uma voz relevante?

Pe. Tiago: A Igreja será uma voz relevante na medida em que se compreender não como uma ‘sociedade perfeita’ que vive acima do mundo, numa concepção triunfalista e fora da realidade. Para ter credibilidade, ela precisa estar com as pessoas, especialmente com as que sofrem. Francisco resumiu essa missão em cinco verbos: ‘primeirear’ (tomar a iniciativa), envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar. o a o, colocando-se a serviço, doando-se, a Igreja vai, gradativamente, reconquistando seu espaço na sociedade. Um testemunho urgente, sem dúvidas, é de unidade. Uma Igreja dividida não atrai ninguém. A divisão é obra do Diabo e, às vezes, parece que na Igreja ele tem mais espaço do que o próprio Jesus!

O LÁBARO: A Igreja se prepara nesses dias para o Conclave que elegerá o novo papa. Que características importantes se espera do pontífice escolhido?

Francisco instaurou um caminho sem volta. Sem dúvidas, o próximo pontífice demorará para consolidar sua imagem. Todos sabemos que ninguém é igual a ninguém, mas Bergoglio elevou o nível do papado a um grau absurdamente positivo. Basta ver quanta comoção e repercussão a sua morte gerou. Nesse sentido, é importante que o próximo papa saiba reconhecer esse caminho trilhado e, em certa medida, também o percorra, para que os processos não estacionem. Há muita gente entusiasmada, que quer ver as reformas acontecerem.

O LÁBARO: Que urgências continuam em aberto e que outros desafios o novo pontífice deverá enfrentar?

Pe. Tiago: Ad intra, o desafio que perdura é de uma Igreja mais participativa, sob o prisma da sinodalidade, para a qual Francisco dedicou boa parte do pontificado. Além do mais, espera-se que o papa também queira e saiba dialogar com os temas urgentes do nosso tempo, inclusive pastorais, como vinha tentando fazer o Papa Francisco, tais quais a questão dos casais em segunda união e a participação dos irmãos e irmãs LGBTQIAPN+. Posições radicais e duras já não respondem ao nosso tempo.

 

Pe. Jaime Pereira Lemes, msj

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