O relógio de hóstias 2g286k

Era para ser um retiro comum. Mas que retiro é comum, não é mesmo? Se o evento é de Deus, as coisas nunca saem como o previsto e a gente se surpreende. 122j5p

Uma senhora veio e partilhou sua angustia com o tempo e como ela se desfez, em um dia de oração. Ela contou a seguinte história.

Ela andava muito preocupada com o tempo. Sempre havia muita coisa para fazer e, às vezes, o tempo era cruelmente rápido, noutras era de um sofrimento sem fim. O relógio se tornara um contador de angustias e de preocupações: a dia, a hora, tic-tac, tic-tac. O moinho da vida não perdoa, mói tudo feito cana. O duro é que tem vezes que nem garapa ele dá… só fica o bagaço mesmo. E o tempo… o tempo são os dentes desse moedor.

Um dia, em oração, ela disse que veio muito forte uma imagem ao seu coração. Havia um relógio grande, desses de parede de cozinha, em que cada hora era representada por uma hóstia. A medida que o ponteiro avançava, hóstia por hóstia, uma voz forte ecoava: “Eu sou o Senhor do tempo e das horas… Eu sou o Senhor do tempo e das horas…”. Foi, então, que ela se deu conta dessa verdade profunda, verdade que a gente custa para ar e para assimilar, por conta de nossa vida dessacralizada e rotineira. O tempo está nas mãos de Deus, é de Deus. Inclusive, é por isso que se diz, na Vigília Pascal, durante a confecção do círio: “Cristo Alfa e Ômega, Princípio e Fim, a Ele o tempo e a eternidade…”. A gente só pensa no Criador quando fala do espaço (o universo, a extensão do Planeta, etc.), mas se esquece que Ele é também o Senhor do Tempo. Um ano santo, como este que estamos vivendo, vem lembrar isso: um ano inteiro que é de Deus, como cada domingo é dia especialmente voltado para Ele.

Depois dessa experiência interior, aquela senhora disse que nunca mais viu o tempo do mesmo modo. Agora, cada hora “tinha sua graça própria”. É o que um renomado autor trapista, Dom Chautard, francês fundador da trapa de Tremembé, chamava de “a graça do momento presente”. Nesse mesmo sentido, as irmãs sacramentinas param, a cada hora cheia, e fazem um momento de prece a Deus, uma adoração perpétua, mesmo fora da capela, no meio dos trabalhos que se perpetuam e não dão trégua. É um jeito de mergulhar na Graça e de reconhecer aquela do momento presente.

Quando olhar para o relógio, não quero mais ver só números. Eu também quero ver hóstias!

Pe. Marcelo Henrique, reitor do Seminário de Filosofia

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