Lembro da minha avó falando do “Seu Pestana”, para quem ela trabalhou muito tempo, em um armazém na Vila São José. Naquela época, armazém era um híbrido de mercadinho, doceria, conveniência e adega. Era o tipo o que é hoje o Minuto Pão de Açúcar, o Carrefour Express ou qualquer outro desses Mini Markets. 1l6g36
Aliás, naquela época, havia muitos formatos de empresas e comércios, sobretudo informais, que se tornaram página da história. Ninguém mais vê por aqui. Uma pena é que, com os formatos antigos de fazer dinheiro, foram-se embora os jeitos antigos de tratar os “empregados”.
Não podemos romantizar demais, é claro. O ado não é feito só de coisa boa e nossa relação com ele deve ser de recuperação do que foi bom, deixando ar o que não convém mais. Regimes escravos estão fora da pauta cristã – graças a Deus. Minha avó dizia que seu patrão era um homem bom. O tratamento dispensando a quem trabalhava com ele era cordial, porque ele mesmo aprendeu que era preciso ser sempre bom e educado com as pessoas. Ser patrão, para muitas pessoas, sobretudo de formação verdadeiramente cristã, era uma função investida de uma respeitabilidade moral. Era preciso ser respeitoso para se dar a respeitar. Era uma forma de ser cortez sem morar na corte de um rei.
Ser cristão significava ser educado. Ser chefe cristão exigia ainda mais nobreza de espírito, seja pelo destaque na sociedade, seja pela responsabilidade para com seus colaboradores.
Assusta um pouco essa cultura atual de superprodutividade porque, onde o tempo é corrido e tudo acaba na pergunta “tá rendendo ou não?”, não há tempo para a afabilidade. A gentiliza toma tempo. A justiça, por sua vez, é a mais fina forma de boa educação. É horrível ouvir pessoas sofrendo porque seus patrões são cruéis (mesmo dizendo-se cristãos). Como diz aquela música do Filho Pródigo: “um patrão cruel levou-me a refletir, meu Pai não trata um servo assim”.
Essa é uma pergunta que me inquieta: como deve proceder um patrão cristão? Eu gostaria de ouvir os patrões cristãos (cristãos sérios, não esse povo fake que usa de religião para justificar o seu mal comportamento) sobre como eles elaboram isso dentro da sua fé. O fato é que cada um se santifica fazendo a sua função e que a quem mais foi dado, mais será cobrado.
Você é chefe, líder, treinador, dono, responsável? Então, me conte: como o Evangelho compõe o seu jeito de gerir pessoas? Seria bom que todo mundo tivesse um “Seu Pestana” na vida, tanto para experimentar a bondade na pele como para aprender, ao vivo, a ser patrão de “coração bão”, como dizia minha avó.
Pe. Marcelo Henrique, reitor do Seminário de Filosofia